10 de mai. de 2012

Souad Massi " Deb" (Heart Broken) by Lucy

Música do mundo, mais precisamente da Argélia. Calma, me dá uma chance... rs

E não se deixem enganar pelo ar lânguido da moça da capa, achando que é só isso. Mas é ela mesma, Souad Massi, lá pelos seus 30 anos. :)

Eu não falo árabe (ainda), mas nem um "oi" pra pedir um copo d'água. E, no entanto, é surpreendente como se pode gostar tanto sem entender nada. Já fui muito nerd, de só escutar música de lugares e tradições que eu não conhecia ou entendia, mas isso já faz muito tempo.O que eu mais gostava era ouvir música de raiz (o tal do folk/roots/traditional) dos lugares mais remotos, como se eu estivesse lá, e só tocasse aquele tipo de música. Depois, ia buscar releituras modernas dessas tradições. Basicamente, era como ir do pé no chão descalça até o salto alto do Buddha Bar. rs

Tem que ter muuuuito tempo livre. Mas vejam que até desses anos de sabático forçado eu tirei, afinal, algo de bom. :) Depois deles, no entanto, quando o assunto é música, acabei me ocidentalizando tudo de novo.

Isto posto, abri esse disco meio receosa, meio "ah, não sei"... Eu queria era só uma música em francês. Ouvi, gostei, podia declinar de ouvir o disco inteiro. Bah, qual surpresa, ainda bem que me dispus a abrir essa preciosidade. Tem tanta coisa diferente dentro dessas 12 músicas, tantos humores e sutilezas, tantas línguas, também, que eu nem sei o que dizer. Se você abrir e deixar esse mundo dela entrar, vai se surpreender.

A Souad é de 1972, argelina. Canta, compõe e toca violão. É de uma família muçulmana pobre, de um subúrbio de Argel, um lar com sete filhos. Começou a tocar violão e cantar por causa do irmão mais velho, que tocava piano. Convenceu a mãe, mais liberal, apesar dos protestos do pai, que valeria a pena pagar lições de violão pra ela.Mas não durou muito a alegria da menina. Com guerra civil e toque de recolher às 7 da noite, nem em sonho a adolescente podia continuar. Trancada em casa, o rádio foi a salvação. Se apegou ao folk rock americano e também ao country, que ouvia por tabela nos filmes de cowboy da TV.

Esse pequeno conhecimento acumulado foi o suficiente pra que ela conseguisse sua primeira chance, numa banda de flamenco. Mas não durou muito, ficou meio chato pra ela -- tipo ler Machado de Assis aos 17 anos, imagino, porque ela vai retomar esse dedilhado adiante. rs

A carreira começou mesmo aos 20 anos, com uma banda de rock de cunho político. Fez sucesso (Led Zeppelin e U2 como inspirações), mas a banda logo virou alvo dos fundamentalistas. Ela passou a se vestir de homem, cortou o cabelo, mas não teve jeito: saiu fugidinha da sua terra natal sob ameaças de morte, aos 27 anos. Foi morar em Paris, em 1999. Tocou no festival "Mulheres da Argélia", mas já pensava em largar a música, quando foi convidada a gravar.

Violão predomina, sempre ali. Em matéria de estilo, ela incorpora ocidente e oriente muito bem. Tem influências de rock, folk, fado, flamenco, norte-africanas, e ela canta em árabe, francês, inglês e kabile (uma língua berbere). Isso tudo eu achei que a distingue de "mais uma argelina em Paris" -- na teoria. E, depois de ouvir, me convenci.O primeiro disco é de 2001, se chama "Raoui", que quer dizer "contadora de histórias". Sucesso de crítica e público na França, é quase todo em francês e árabe. Tem uma pegada bem "música folk americana dos 60" esse disco, diz o AllMusic, e faz sentido na biografia dela. Este "Deb" ("de coração partido"), que trago pra vocês, é o segundo disco, de 2003. As letras ficam mais pessoais e menos políticas, fez sucesso em vários países fora da França.

Depois veio "Mesk Elil" ("madressilva"), de 2005, que expande os temas de amor e perda do disco anterior. Em 2007, lançou um acústico ao vivo, "Live Acoustique". O mais recente disco, de 2010, se chama "Ô Houria" -- acho que é "liberdade". Tem participação do Paul Weller no piano e nos vocais, na última faixa.

Receita pra ouvir este "Deb" -- apenas uma, dentre tantas possíveis... Toque "Ghir enta" (faixa 2) numa manhã preguiçosa e ensolarada de domingo. Dans ta chambre, avec quelqu'un. Leve uma bandeja com uma fruta doce, café preto e uma torrada integral com mel e um toque de manteiga. Pronto. Esqueça todos os seus problemas, porque o resto é o resto!

(Só depois de escrever isso é que descobri que tem tradução de tudo em inglês na arte do disco. Caiu como uma luva com o que sugeri às cegas. rs Pra vocês verem como a música se sente. Não é preciso, necessariamente, entender as palavras. Eu mesma me esqueço, e vem essa moça me lembrar...)



Lindo.Souad Massi - Deb (2003)
01 Ya kelbi (Oh! My heart)
02 Ghir enta (I only love you)
03 Ech edani (I shouldn't have fallen in love with you)
04 Yemma (Mummy, I lie to you)
05 Yawlidi (My little boy)
06 Le bien et le mal (Good and evil)
07 Houria (Freedom)
08 Deb (Heartnroken)
09 Moudja (The wave)
10 Passe le temps (As time goes by)
11 Theghri (I send an S.O.S.)
12 Beb el mahdi (The gate of the past)


Pra fazer as honras da casa...
Enjoy. :)

2 comentários:

  1. zm.jazzrock8:52 PM

    Argélia...!
    Que legal.
    Vamos conferir.
    Forte abraço, meu amigo lupino.
    --zm

    ResponderExcluir
  2. Fico feliz de constatar que muitas pessoas que frequentam o SM são, afinal de contas, mente aberta -- ou, melhor seria dizer, ouvidos abertos rs --, e estão dispostas a desbravar novos territórios musicais, ir além das suas fronteiras habituais, além das clássicas fronteiras anglo-saxônicas, além de sua zona de conforto musical. :)

    Depois de checar quantas pessoas baixaram (eu esperava umas cinco e já teria ficado feliz com uma), confesso que me surpreendi.

    Só a música nos permite conhecer lugares onde nossos pés talvez jamais pisem. Nem o livro como objeto cultural tem esse poder, precisa de tradução. Sem o código da língua, ele permanece incomunicável. A música, não.

    Gostar é outro papo, e isso não se discute. Mas mente aberta não tem preço. Valeu.

    ResponderExcluir